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A LENDA DO PISTOLEIRO ERRANTE ..
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O início do filme é simplesmente belíssimo! Temos a imagem de um vale em profundidade (abaixo), onde vemos ao fundo as belas montanhas do Grand Tetons e projetadas como se “suspenso no ar” os créditos iniciais do filme. Ao som da inesquecível trilha sonora deste clássico memorável, um cavaleiro surge do “nada” e começa a descer para o vale lá embaixo. O cavaleiro desconhecido, ficamos sabendo mais tarde, tratava-se de Shane, um ex-pistoleiro que resolveu aposentar as armas e estava de passagem em direção à uma região qualquer, onde pretendia encontrar a paz.
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Shane chegando à Terra Prometida.

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Em seguida, o belo vale em toda a sua vastidão “engole” o forasteiro, como se agora ele fizesse parte, não apenas do cenário, mas do seu corpo. Cervos, águas límpidas e montanhas nevadas ao fundo, prenunciam um paraíso, um lugar onde um homem em busca de paz, sonharia encontrar. Mas no meio daquele vale tinha um rancho, onde, na inocência de um menino, “cavalgava” os sonhos e as fantasias de uma alma tão pura quanto à pureza do lugar. Era Joey Starrett que brincava de gente grande e enxerga no fundo de sua mira a imagem do cavaleiro chegando. Joey corre avisar seu pai, Joe Starrett, que “lutava” contra um tronco de árvore, dizendo que um estranho estava chegando. Logo ouvimos a voz de Marian Starrett, enquanto o estranho se aproximava, e então temos uma das cenas mais significativa do filme: Shane e Joey cruzam olhares de perfeita empatia; enquanto o primeiro sinceramente simpatizava-se com o garoto, o segundo curiosamente se encantava com o forasteiro. E além disso, dois outros olhares acompanhavam o estranho que chegava: Joe Starrett, atento e na expectativa do que queria o forasteiro e o de Marian, curiosa e interessada na visita. Situação compreensível, já que Joe tinha que estar sempre atento e na defesa de seu rancho e de sua família, e Marian, isolada no meio do nada, sempre via com simpatia o relacionamento com o exterior, principalmente quando pressentia ser uma visita agradável. Enquanto Shane conversa com Joe, ela observa, ele percebe, ela se retira da janela. Shane é bem recebido por Joe e tranqüilo desce de seu cavalo iniciando uma amistosa conversa. Mas, a sua audição de pistoleiro fala mais alto quando o jovem Joe maneja a sua velha espingarda, dando um giro sobre o próprio eixo e sacando a sua arma. O menino se assusta, Joe e Marian observam preocupados, enquanto Shane se refaz, guardando a arma, ao perceber o inocente menino, que confuso não sabe o que fazer. Enquanto Shane com seu jeito próprio de se desculpar conversa com o menino, a atenção de Joe é despertada por outros visitantes que chegavam numa completa algazarra. Joe confunde Shane com capangas de Rufus Ryker, um poderoso barão do gado, e diz-lhe para ir, mas antes fechar a porteira. Neste momento temos um dos pontos discutidos no filme: a dignidade. Shane diz que só irá se ele abaixar a arma, pois prefere ir por sua própria vontade e não obrigado, Joe atende, mesmo sabendo que o estranho poderia sacar arma e o matar, mas o forasteiro sai tranqüilo, se encaminhando para a porteira do rancho que estava próxima. Ficam aparentemente sós, Joe e sua família, frente aos cinco ameaçadores homens, armados e zombeteiros. Rufus Ryker quer que Joe saia daquelas terras, assim como quer comprar ou expulsar todos os outros rancheiros do vale, para poder ficar com toda a região e utilizar como pastagens para o seu gado. Rufus chama Joe e os outros rancheiros de grileiros, Joe se defende dizendo ser um colono. Quando Rufus ameaça Joe, dizendo que poderia expulsá-lo a tiros, a cena que se segue é memorável.
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Os Starrett e Shane frente aos invasores.

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A força moral, quase espiritual, de sua mulher que se coloca ao lado dele; e a presença do misterioso forasteiro, que ao invés de ir embora, retorna e se posiciona atrás de Joe, numa atitude tranqüila, mas que denotava estar pronto para agir, transmitindo ao indesejoso visitante e seus comparsas, que aquela família não estava sozinha. Rufus reconhece quando vê um pistoleiro, e então com um olhar passa a obrigação de “enfrentá-lo” ao seu irmão Morgan, e este imediatamente pergunta quem era ele e Shane responde ser amigo dos Starrett! Diante disso, Rufus depois de ainda dirigir uma ameaça a Joe, prefere se retirar, atitude normal nos homens covardes, quando julgam estar em desvantagem. Mesmo eles sendo cinco, e do outro lado um fazendeiro, sua mulher e filho; e aquele misterioso forasteiro. Quando os homens vão embora e Shane se encaminha na direção contrária para também seguir o seu destino; Marian, numa intervenção manipuladora, que veremos em todo o filme, mesmo quando nada fala, convence o marido a convidá-lo a ficar para o jantar. E Joe, em toda a sua dignidade, para convencer Shane de suas desculpas pelo que dissera anteriormente, mostra-lhe que a espingarda que estava consigo, o qual ele enfrentara os cinco homens momentos antes, e que estivera com o pequeno Joey anteriormente, não estava nem ao menos carregada. Shane, imediatamente aceita as desculpas de Joe, aceita ficar para o jantar e estende a mão para o pequeno Joe, iniciando ali, uma das amizades mais emocionantes entre um adulto e um menino, em toda a história do cinema. Logo após o jantar, Marian diz a Joe para convidar Shane para passar a noite ali, enquanto isso Shane para pagar pela refeição, já estava lá fora de machado em ação, ferindo o enorme tronco de árvore que estava bem no meio do quintal dos Starrett. Ele observara Joe em ação, quando chegara ao rancho. Logo Joe, que observara a atitude de Shane, está ao seu lado, e os dois, machadada a machada, se unem para derrotar o enorme tronco. A noite chega, Marian e Joey cuidam da horta, enquanto os homens ainda lutam contra o “inimigo” comum. Quando finalmente, parecia que os homens iriam vencer a natureza, embora exaustos, Marian diz para o marido ir buscar a parelha para terminar o serviço. Joe, numa das poucas vezes que não ouve a mulher, diz: “Faz dois anos que estou lutando com este tronco, que usar uma parelha agora seria derrota”. A dignidade de Joe está sempre presente, e não seria diferente naquele momento. E então os homens vencem o tronco, sob o olhar ansioso da mulher, orgulhoso do menino e sob a beleza das montanhas nevadas ao luar. No dia seguinte, Shane resolve ficar trabalhando com os Starrett, depois de Joey dizer-lhe, logo cedinho, que ouviu seu pai dizer que gostaria que ele ficasse. Aqui, muitas explicações, pelo motivo da permanência de Shane junto aos Starrett são dadas, penso que ele ficou simplesmente porque todo homem solitário se sente feliz em poder estar junto de uma família, mesmo que saiba, que será por pouco tempo. Joe encarrega Shane de ir buscar arame que deixou encomendado na venda na cidade, e ele, Shane, logo saberá que a vida naquele lugar não é tão tranqüila assim. Enquanto Shane vai a cidade, os Starrett recebe a visita de Ernie Wright, um dos colonos da região, que comunica a Joe que está largando tudo e indo embora com a família, pois Rufus e seus homens destruíram toda a sua plantação de trigo. Joe e Marian tentam convencer Ernie a não abandonar tudo e ir embora, mas o homem fica irredutível. Joe pede paciência a Ernie e marca uma reunião à noite com os demais colonos amigos seus e insiste para ele não faltar. Na cidade, depois de pegar a encomenda de Joe, Shane compra calças e camisas para si e em seguida se dirige para o bar para comprar refrigerante para o pequeno Joe. Quando, então, é provocado e humilhado por Chris Calloway, um dos capangas de Rufus Ryker. Percebemos que Shane, por mais de uma vez, quase revida os insultos do homem, mas se contém, cumprindo a palavra dada a Joe de não arranjar confusão. À noite na casa de Joe, os colonos decidem após a reunião, a tomar algumas medidas de segurança como, por exemplo, só irem ao Armazém Grafton, local freqüentado pelos homens de Rufus, em comboio. Não sem antes, um dos colonos dizer o que aconteceu no bar, deixando claro que achava que Shane era um covarde. Shane não se defende da acusação, pois sabe que estava apenas atendendo um pedido de Joe, e então resolve sair do local, dizendo que os homens ficariam mais a vontade sem a sua presença. Joe tinha certeza que a história não era bem assim como contavam, mas o problema era que Joey ouviu tudo do quarto e ficou indignado e decepcionado com a situação. Joey questiona com a mãe e Marian sem saber o que responder, abre a janela do quarto e deparam com Shane que estava lá fora na chuva, e Joey diz que tem certeza de que ele não está com medo, e Shane responde que tudo é uma longa história. Ao que Marian diz que “eles compreendem” (ela e o filho), e logo em seguida diz para ele sair da chuva, caso contrário iria pegar um resfriado. Na sala, os homens decidem a estratégia de defesa deles contra Rufus e seus capangas, e no quarto, Marian diz a Joey para não se apegar muito a Shane. O filho contesta e ela diz que um dia Shane vai embora e acrescenta: “você ficará triste se apegar demais a ele”. Aqui muitos críticos diz que a mulher se referia a si própria também. Provavelmente, os críticos devem ter razão, já que o roteiro deixa as emoções suspensas no ar. No dia seguinte, quando todos os colonos se preparam para irem junto a cidade, uma conversa de Joe com Shane, enquanto esperam por Marian que está demorando em se aprontar, dá uma mostra da simplicidade, mas profunda riqueza de valores, que transformou o filme, em muito mais do que um simples faroeste. Joe diz; “Um homem casado tem de aprender a esperar as mulheres”. Quando Marian sai toda bem arrumada, ele diz: “Ás vezes, a espera vale a pena”. E em seguida complementa: “Escolha uma mulher que vale a pena esperar!” No caminho o pequeno comboio é engrossado com outros colonos e vão todos juntos, com suas mulheres e filhos a cidade. Todos entram no armazém, que era conjugado ao bar, e homens e mulheres sentem-se felizes por apreciarem as novidades do mercado. Enquanto isso, os homens de Rufus estão bebendo no bar e caçoando dos colonos ao dizerem que eles trouxeram suas mulheres para protegê-los. No meio de todo o vozerio dos colonos e suas mulheres no armazém, Shane percebe que Joey se dirige ao bar com uma garrafa vazia de refrigerante. Shane pede a Joey que deixe que ele irá buscar o refrigerante. Aqui, muitos críticos dizem que a decisão de Shane já é um prenúncio de que ele desejava ser provocado para poder responder a altura, e então acabar com a sua falsa fama de covarde. Não creio nesta afirmação. O personagem de Shane é baseado em sua própria convicção daquilo que ele era, e ele sabia que não era um covarde. Então, se os colonos achassem que ele era um covarde, ele não se importava; mas permitir que o menino entrasse num ambiente não adequado a sua idade, isto sim, para ele, seria covardia, e como ele não era covarde, decidiu ir buscar o refrigerante de Joey. Os críticos se baseiam na ação seguinte: Shane é provocado novamente por Calloway, que ameaça enxotá-lo do bar, e Shane reverte a situação, atirando whiskey no rosto do fanfarrão e em seguida o esmurra. Na verdade, Shane sabia ser obrigado a tudo aquilo, já que era observado por Joey, e não podia decepcionar o menino. Motivo muito mais importante do que o simples desejo de vingança contra o homem que o ofendera no dia anterior. Calloway retorna furioso à luta, mas é impiedosamente surrado por Shane. Rufus, que assistiu a tudo, fica impressionado com o desempenho de Shane e lhe oferece trabalho pagando o dobro do que ele recebe de Joe, mas Shane não aceita a proposta. Diante da negativa, Rufus ofende Shane se referindo a mulher de Joe. Shane chama-o de velho depravado e no meio da confusão Joey entra no bar e puxa a camisa do amigo querendo que ele saia do bar. Shane diz ao garoto para ele sair e Joey retruca: “Shane, mas eles são muitos”. Se referindo aos capangas ameaçadores de Rufus. Ao que Shane diz ao menino: “Você não quer que eu fuja, não é?” Com relutância o menino sai e Shane se vira como pode contra os seus agressores. Mas quando a situação começava a ficar descontrolada para Shane, quando já estava sendo espancado pela força dos vários homens, Joey corre para fora gritando que vão matá-lo, Joe se mune de um porrete e entra no bar para resgatar o empregado e amigo. Daí pra frente, vê-se uma luta desigual, pois os dois homens que venceram o tronco dias antes, poderiam vencê-los, com muito mais facilidades ainda. Ao final, antes de sair do bar, Joe, mais uma vez dá prova de sua dignidade, dizendo ao dono do estabelecimento: “Rufus não vai pagar pelos estragos causados, coloque na minha conta que eu pago tudo”. Na seqüência, uma das cenas seguintes, é uma das favoritas dos críticos; quando Joey pede a Shane que o ensine a atirar, fazem considerações psicológicas sobre a simbologia da arma. Shane começa a ensiná-lo e a pedido do menino atira numa pedra por três vezes. Quando Marian, que assistia a cena de longe, se aproxima e manda que Joey vá para casa e fala para Shane que seu filho não precisará usar armas. Ao que Shane responde: “Uma arma é uma ferramenta. Nem melhor nem pior do que um machado ou uma pá. A arma é tão boa ou ruim quanto o homem que a usa”. Mas Marian não se dá por vencida e diz que seria melhor que não houvesse nenhuma arma no vale. Nisto, Joe chega a cavalo querendo saber que tiros foram aqueles que ele ouvira. Brinca dizendo que começaram a festa sem ele e em seguida repara que Marian está usando o vestido do casamento. Feliz diz a Shane para ele se preparar que o dia era de festa, pois além de ser 4 de julho, quando se festeja a independência, era também o dia em que ele e Marian comemoravam 10 anos de casamento. Enquanto isso na cidade, Frank Torrey, um dos colonos e amigo dos Starrett, entra no bar, bebe, e sob o efeito da bebida começa a dizer para Rufus, que estava no local, que a ele ninguém assustava, que ele não iria abandonar suas terras. Junto com Rufus tinha um forasteiro que disse a Rufus que seria fácil fazer com que Torrey sacasse a arma. Mas Rufus diz que não, ele queria era Joe Starrett. E Frank Torrey, sem saber o perigo que passou, saiu todo garboso do lugar. Em seguida temos uma das cenas mais características presente em quase todo filme americano, a imagem da bandeira tremulando. Segundo a crítica, símbolo da soberania econômica e política dos EUA em relação ao mundo. Porém, neste caso e neste filme, é totalmente justificada, pois se comemorava o dia da independência do país.
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O Dia da Independência e o aniversário de casamento dos Starrett.

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Os colonos se reúnem para comemorar o dia da independência e dançam e as crianças brincam, enquanto Frank Torrey chega ao local e se reúne aos colonos, que neste momento começam a festejar também os 10 anos de casamento de Joe e Marian. Logo em seguida, Torrey conta a todos que viu um forasteiro junto a Rufus no bar e que ele usava duas pistolas. Shane quis saber mais detalhes e em seguida às explicações de Torrey, disse que deveria tratar-se de Jack Wilson, um perigoso pistoleiro de Cheyenne. Depois da festa, Shane e os Starrett voltam para casa e encontram Rufus e Jack Wilson que esperavam por eles. Então Rufus propõe comprar o rancho de Joe por um bom preço, garantindo-lhe ainda emprego para toda a família e uma pequena área para ele criar algumas cabeças de gado. Mais uma vez, Joe não aceita a proposta, já que não abre mão de seu pedaço de terra. Uma cena que exemplifica bem o que sejam os personagens representados por Shane e Jack Wilson, é que enquanto Rufus fala com Joe, os dois pistoleiros se medem o tempo todo, sem nada falarem.
No dia seguinte, Frank Torrey acompanha outro colono até a cidade e é provocado por Jack Wilson, reage e é morto friamente. Em seguida, Jack espalha o boato de que o matou em defesa própria, já que Torrey teria sido o primeiro a sacar a arma. Tal fato faz com que Fred Lewis, um dos colonos, comunique aos demais que está de partida com a família. E mais uma vez, Joe conclama a todos para resistirem às ameaças de Rufus, no que é atendido, inclusive com Lewis voltando atrás em sua decisão. O argumento de Joe para convencer os colonos foi que Rufus não tinha o direito de expulsá-los, pois ele queria criar gados enquanto eles, os colonos, queriam criar famílias. Mas principalmente pelo erro de Rufus em mandar incendiar a casa de Lewis, diante disso os colonos ficaram unidos em salvar o que podiam e reconstruí-la.
Diante dessa atitude, Rufus chega à conclusão que a única forma de tirar os colonos do vale é assassinando Joe, por ser ele o cabeça dessa resistência. Assim, pede que seu irmão, Morgan, vá até o rancho do colono e lhe diga que o está esperando no Armazém Grafton para mais uma conversa amistosa. A seguir, ele, Jack Wilson e mais dois pistoleiros se posicionam enquanto aguardam a chegada de Joe.
Chris Calloway, que havia brigado com Shane no armazém, e que presenciou o assassinato de Torrey, procura Shane para contar da cilada armada para Joe. Calloway, desde sua derrota para Shane, a chegada de Wilson e o assassinato de Torrey, percebera que o patrão, por sua desmedida ambição, perdera o controle da situação. Não era mais o confronto entre os empregados de Rufus Ryker e os colonos, mas a intenção fria de um assassino contratado para eliminar os empecilhos às pretensões de seu patrão. Por isso, quando Shane pergunta por que ele estava contando os planos do patrão, ele simplesmente diz que não sabe, só sabe que não mais trabalharia para Ryker. No fundo, ele sabia que a época de uma boa luta havia passado, agora o sangue iria correr. E as duas mãos, a de Shane e de Calloway, que antes haviam se esmurrado, agora se despedem com um aperto de mão. Neste momento, o belo roteiro deixa claro que há e deve haver dignidade entre os homens, mesmo que sejam adversários, mas separa os homens maus e indignos dos bons, como se separa o joio do trigo.
A tensão está à flor da pele no rancho dos Starrett, Joe, ante o medo estampado no rosto de Marian, se prepara para ir a cidade falar com Ryker, pois ele não podia permitir que os colonos viessem a perder a união novamente e partirem, abandonando seus sonhos; enquanto o pequeno Joey brincava no lado de fora fazendo de contas que dava tiros num suposto e invisível inimigo. Marian tenta dissuadir Joe, mas pela segunda vez em todo o filme, ele não a atende, pois estava em jogo o futuro, não apenas de sua família e dos outros colonos, mas de todo homem de boa vontade que quisesse vir fixar residência no vale. Marian ainda usa a sua última cartada, ao perguntar ao marido se ela e Joey não significavam nada para ele, e Joe responde que por eles serem tudo em sua vida é que tinha que ir. Não há aqui a intenção movida por orgulho, mas a dignidade de um homem que vivia numa época dura, de reagir e defender sua família, do que fugir e viver em algum canto, e ter os olhos decepcionado do filho sobre ele, como se ele fora um covarde. Ele estava criando um filho para ser um homem e não poderia agir diferente naquele momento, pois o menino estava sempre atento às lições dos adultos, boas ou más. E Joe conclui de forma dramática para mulher que sempre esteve atento ao que acontecia a sua volta em sua própria casa. Falando simplesmente que se algo acontecesse a ele, ele tinha certeza que teria alguém para tomar conta dela e de Joey, talvez melhor do que ele, que quanto a isso ele não se preocupava. Neste momento, o roteiro novamente diz tudo sem haver diálogos específicos na cena. Pois todos, ele, Marian e o espectador, sabemos que Joe se referia a Shane, um homem digno, que o respeitara, respeitara a sua mulher, seu filho e sua casa; mas que não conseguia disfarçar a afeição por todos, principalmente por sua bela mulher. E Marian, mais de uma vez, demonstrara carinho por aquele forasteiro, que somente a ele, ela o teria demonstrado. Não havia mais nada a dizer e Marian, apesar do sofrimento, parecia aceitar a decisão do marido.Neste momento porém, como se os Céus mandasse alguém, Shane, que desde que começara a trabalhar para Joe, trocara suas roupas de couro por roupas de trabalhador e guardara suas armas no celeiro, agora estava novamente vestido como um pistoleiro e pronto para agir. Neste momento, a bela trilha sonora coloca um tom grave em suas notas, como se anunciasse que também estava pronta para o desfecho da história. Ao entrar na sala portando suas roupas e a pistola na cintura, todos percebem sua intenção. E Marian, neste momento deixa escapar, enfim, também em todo o filme, a sua fraqueza. Pois diz desesperada para Shane: “Não deixe que ele vá. Não quero que ninguém vá”. Pois ela não queria perder nenhum nem outro. E o roteiro deixa claro para todos também, que após aquelas palavras, se não acontecesse nada para Joe, Shane teria que deixar a casa dos Starrett. Shane diz para Joe e todos compreendem: “Este é o meu tipo de jogo”. Ao que Joe responde: “O jogo não é seu”. Mas Shane complementa: “Você talvez seja páreo para Ryker, mas não é páreo pra Wilson”. Mas Joe estava irredutivo, afinal ele era o homem da casa, a família era sua, era sua obrigação defendê-la. Shane sabendo que o amigo morreria se fosse, disse-lhe que ele iria impedi-lo e então o roteiro nos brinda com a solução daquele problema. Não apenas de decidir quem iria enfrentar Ryker e seu pistoleiro contratado, mas aquela disputa natural entre os dois homens, que até o pequeno Joe questionara durante o filme. Quem era mais forte: Shane ou seu pai? E o confronto de dois homens deste porte, só poderia ser por algo tão digno quanto eles. E então começa uma luta corporal entre os amigos: um para ter o direito de ir defender sua família, o outro para evitar que o amigo morresse e não deixasse aquela família desamparada, aquela família que ele também amava. Marian e o pequeno Joe observam tudo impotentes, numa mistura de desespero de Marian com a expectativa de Joey. Joe quase vence a luta, mas Shane consegue se recuperar e derruba o amigo do cavalo que já estava de saída. Novamente Joe, com sua força descomunal, derruba Shane e quase o nocauteia, mas este se recupera e derruba-o segurando suas pernas. E quando Shane percebe que não conseguirá vencer o amigo, saca sua arma e dá uma coronhada na cabeça de Joe e o nocauteia.
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Momento em que Shane nocauteia Joe.

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Desta forma o roteiro resolve a questão: decide que o pistoleiro tem que enfrentar o outro pistoleiro e não deixa o menino decepcionado nem com a derrota do pai e nem com a do seu amigo. Muito embora neste momento Joey reaja de forma natural, dizendo a Shane que o odiava, pois ele havia batido em seu pai com uma arma, e todos sabemos, que no fundo, o menino compreendia a atitude de Shane. Shane não diz nada e sai, não sem antes espantar o cavalo de Joe para que o amigo ao se recuperar não vá atrás dele. Quando Marian, pela segunda vez em todo filme, demonstra a sua fraqueza, ao perguntar para Shane: “Você está fazendo isto por mim?” Ele responde: “Por você, por Joe e o pequeno Joe". E quando ela diz: “Então nunca mais nós nos veremos”. Shane responde: “Nunca é um tempo muito longo”.
Quando Joey diz a Marian que o papai está acordando, ela retorna a realidade de sua vida, enquanto o sonho vai-se embora.
E numa das cenas mais emocionantes do filme e de toda a história do cinema, o pequeno Joe, quando compreende que o amigo estava indo embora e nunca mais voltaria, corre atrás gritando o seu nome e dizendo que pedia desculpas, que não o odiava, que o amava! E isto sem nada dizer, apenas gritando o nome de Shane, e nem precisava. Mas Shane não o ouve, pois já estava distante. E o menino corre atrás e seu cachorro também vai junto, cortando caminho pelo cemitério, tropeçando e se levantando, pois ele sabia que tinha que dizer ao amigo que não o odiava, antes que ele morresse ou fosse embora. Chegando ao Armazém, Shane entra e se depara com Wilson, tranquilamente sentado a uma mesa, como se estivesse esperando pela ação. Todos os presentes, ao ver que quem veio foi o forasteiro que trabalhava para Joe e não o colono, e ao perceberem que Shane estava armado, se retiram do local, pois a morte cavalgava rapidamente por ali.
Shane diz que veio ouvir a proposta de Ryker e este responde que o assunto só será tratado diretamente com o colono. Shane provoca-o dizendo que o tempo dele já passou, que ele já viveu demais. Como Ryker permanecia na defensiva e dizendo que só trataria com Joe, Shane provoca Wilson, dizendo que ainda não sabe o que o pistoleiro tinha a dizer. É um desafio claro e Wilson entendeu o recado. E se levanta para enfrentar Shane, e até o cachorro vira-latas do bar, se retira do local. E tudo acontece em fração de segundos: Wilson tenta sacar, mas Shane é mais rápido e o atinge mortalmente, assim como ao próprio Ryker, que tentou atingi-lo pelas costas. E no mais genuíno e famoso movimento do velho oeste, Shane rodopia a pistola entre os dedos e em seguida a coloca no coldre. Tudo, mas tudo mesmo, acompanhado pelo pequeno Joe, por debaixo da porta do bar. Tão atento que Joey estava que avisou Shane de que Morgan Ryker, o irmão de Rufus, estava pronto para atingi-lo traiçoeiramente. Shane se vira em tempo e em segundos, Morgan é um corpo sem vida caindo ao chão.
Shane, antes de sair, pára e olha o quadro que deixava para trás, e vê ali o fim de sua era, caso contrário, um dia terminaria com seu corpo estatelado no chão, da mesma forma. Lá fora, Joey o esperava e este diz a Shane que sentia muito e pedia desculpas por dito que o odiava. Shane diz que ele não tem do que se desculpar. Em seguida diz a Joey para ele ir para casa. Joey pergunta se não pode voltar com ele, ao que Shane diz que não, pois estava indo embora. O garoto pergunta por quê. E Shane diz que um homem é aquilo que é, e não pode fazer nada quanto a isso. Joey insiste e Shane diz que não se volta a rotina depois de matar e diz que a sua vida é como uma marca, se está certo ou errado, não importa, é uma marca que sempre fica. E em seguida diz a Joey que vá e diga a mãe dele que agora está tudo bem no vale, não há mais armas. E então, temos um dos mistérios mais famosos do cinema, Joey constata e diz que Shane está sangrando, o homem diz que está tudo bem, e nós ficamos sem saber se ele foi atingido mortalmente ou não. E o menino, apesar de todas as suas tentativas de dissuadir Shane de ir embora, o vê ser engolido pelas montanhas e desaparecer no horizonte.
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Shane vai embora se encaminhando para as montanhas.
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E nós acompanhamos a mesma cena inicial quando Shane desceu ao vale, só que agora retornando dele. A Paramount Picture fecha o quadro deixando para nós uma grande jóia do cinema mundial, esta memorável obra-prima, este clássico chamado Os Brutos Também Amam.
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Shane abandona o vale, com a imagem da saudade de Joey no céu.
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CRITICA:
O que posso dizer a respeito deste clássico depois que as cortinas foram abaixadas? De que este best-seller, homônimo de Jack Schaefer, "Os Brutos Também Amam" é, sem dúvida, um dos melhores faroestes produzidos por Hollywood nos anos 50? De que o cineasta George Stevens, realizou um filme exemplar, onde aborda temas como amizade, lealdade, dignidade, honra e coragem? E que, embora haja uma meia-dúzia de mortes, este faroeste gira mais em torno de princípios do que de ação?
Ou que, partindo de um excelente roteiro, assinado por A. B. Guthrie Jr., e contando com a bela fotografia de Loyal Griggs e com uma magnífica trilha sonora, Stevens realizou um belo trabalho na direção desse clássico? E que as locações levadas a efeito na região noroeste do Estado do Wyoming, capturam ao fundo a beleza das montanhas que formam a cordilheira de Grand Tetons, dando ao filme a moldura maravilhosa que o acompanhou em toda a projeção?
Sim! Muitas coisas poderiam ser ditas: como a referência bíblica do filme, por exemplo. Um vale como uma terra prometida e um forasteiro como um “anjo” que viria para garantir aos homens o direito a ela?
Mas prefiro apenas lembrar a todos de que, pelo menos, três grandes autores, fizeram homenagens ao filme e ao misterioso personagem de Shane: em 1956 o grande John Ford cria um herói errante ao estilo Shane, Ethan Edward (John Wayne), em “Rastros de Ódio”, só que um herói, mais maduro, mas, mais amargurado também. O que eles têm em comum é o amor por uma mulher que já era casada, e que era, platonicamente correspondido por elas, mas ao final, cada um com sua própria história, terminava sozinho e voltando para a sua vida errante. Em 1968 o fenomenal diretor italiano Sergio Leone, homenageia o lendário Shane em sua obra-prima do faroeste, “Era Uma Vez no Oeste”, quando Harmônica (Charles Bronson) ao final, vai embora, e nós ficamos na dúvida se ele estava inteiro, ou se fora atingido por Frank (Henry Fonda) no confronto final, daquele memorável filme. E em 1985, Clint Eastwood, para muitos um digno herdeiro de John Wayne e de todos os heróis dos velhos e bons faorestes clássicos de Hollywod, faz uma homenagem “descarada”, que parece mais um remake pobre do grande clássico de George Stevens. É “O Cavaleiro Solitário” (Pale Rider, 1985), fazendo o personagem Preacher (Pastor, Pregador ou Padre), o qual, entre outras coisas, como ajudar uma família de mineiros contra uma poderosa corporação que extraia ouro. Aqui não há o garoto Joey, mas uma menina que fez uma prece pedindo ajuda aos Céus para a sua família. Há até a cena memorável da luta contra o tronco, só que neste filme de Eastwood, é uma enorme pedra.
Enfim, tanto o Grande Mestre John Ford, quanto o revolucionário diretor italiano Sergio Leone e o excelente diretor americano Clint Eastwood, não deixaram de contribuir com suas homenagens a este formidável clássico do faroeste, um dos melhores de toda a história do cinema.
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